Combinamos que não era amor. Escapou um abraço do nada, mas foi carência, não sei o que foi aquilo. Fomos a um barzinho juntos, coisa que namorados fazer. Mas amigos fazem também, não? Somos amigos. Escapou um beijo na orelha e uma mão que quis esquentar a outra. Foi a inércia do amor que está no ar mas não necessariamente dentro de nós. Eu gosto de você. Não do jeito vulgar da coisa, eu gosto de você com o sentido mais sério que essa frase pode trazer. Gosto do jeito, do cheiro, das gírias, das brincadeiras, das manias.
Eu sempre fui sua. Eu já era sua antes mesmo de saber que um dia eu ficaria com você. Mas a gente combinou que não era amor. Não somos íntimos. Nada disso. Só estamos juntos, porque temos duas coisas muito simples em comum: nada melhor pra fazer. Só isso. É o que está no contrato. E eu assino embaixo. Melhor assim. Muito melhor assim. Tô super bem com tudo isso. Nossa, nunca estive melhor. Mas não faz isso. Não me olha assim e diz que vai refazer o contrato. Não faz o mundo inteiro brilhar mais porque você é bobo. Não faz o mundo inteiro ficar pequeno só porque o seu chapéu é muito legal. Não transforma assim o mundo em uma lugar mais fácil e melhor de se viver. Não faz eu ser assim tão absurdamente feliz só porque eu tenho certeza absoluta que nenhum segundo ao seu lado é por acaso. Combinamos que não era amor e realmente não é. Mas esse algo que é, é realmente muito libertador. Porque quando você está aqui, ou até mesmo na sua ausência, o resto todo vira uma grande comédia. Aquele cara mais novo, e aquele outro mais velho, e aquele outro que escreve, e aquele outro que faz filme, e aquele outro divertido, e aquele outro da festa, e aquele outro amigo daquele outro. E todos aqueles outros viram formiguinhas de nariz vermelho. E eu tenho vontade de ligar pra todos eles e falar: putz, cara, e você acha mesmo que eu gostei de você? Coitado. Adoro como o mundo fica coitado, fica quase, fica de mentira, quando não é você. Porque esses coitados todos só serviram pra me lembrar o quão sagrado é não querer tomar banho depois. O quão sagrado é ser absurdamente feliz mesmo sabendo a dor que vem depois. O quão sagrado é ver pureza em tudo o que você faz, ainda que você faca tudo sendo um grande safado. O quão sagrado é abrir mão de evoluir só porque andar pra trás é poder cruzar com você de novo. Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor. Porque pra te amar mais, eu tenho que te amar menos. Porque pra morrer de amor por você, eu tive que não morrer. Porque pra ter você por perto um pouco, eu tive que não querer ter você por perto pra sempre. E eu soquei meu coração até ele diminuir. Só pra você nunca se assustar com o tamanho. E eu tive que me fantasiar de puta, só pra ter você aqui dentro sem medo. Medo de destruir esse amor tão santo, tão virgem. E eu vou continuar me fantasiando de não amor, só pra você poder me vestir e sair por aí com sua casca de não amor. E eu vou rir quando você me contar das suas coisas, e eu vou continuar dizendo ¨boa ideia, bonita cor, bonita música¨. E eu vou continuar sendo só daqui pra fora. Porque no nosso contrato, tomamos cuidado em escrever com letras maiúsculas: não existe ninguém aqui dentro. Mas quando, de vez em quando, o seu ninguém colocar ali, meio sem querer, a mão no meu joelho, só para me enganar que você é o meu dono. Só para enganar o cara da mesa ao lado que você é meu dono. Eu vou deixar. Vai que um dia você acredita.
Para ler ouvindo: Sabores de morango - Tríade
Sei que pode não dar certo...
Disso tudo todos já sabem...
O que ainda ninguém sabe
É que eu fui um pouco mais sincero